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A história de uma centenária - Anna Rosa de Jesus

Pioneiros


A idade mágica dos 107 anos de existência é um momento único e raro e por isso deve ser muito comemorado. A pioneira Anna Rosa de Jesus conquistou este feito no início deste ano, precisamente no dia 20 de fevereiro. Perguntamos a ela como é celebrar esta idade.

“É agradecer a Deus por tamanha longevidade. Nesta caminhada tão longa já vivenciei e vivencio muitas alegrias, tristezas, problemas e superações. E por que não dizer das surpresas que tenho tido com tanta evolução no passar dos anos? É aceitar a marcha lenta da velhice e aprender a não se entregar às suas limitações. Procuro viver aprendendo e sei que morrerei sem saber. Ter 107 anos é olhar o presente e muitas vezes se espantar com o número de possibilidades disponíveis pela tecnologia. Sou da época da lamparina abastecida com azeite (de mamona); substituída com êxito pela de querosene que reinou soberana por muito tempo. Esta “dama” gentilmente deixou espaço para o florescimento do lampião a gás, quepor sua vez tirou as cidades da escuridão e virou até tema de música. O surgimento da energia elétrica foi uma bênção, jogou luz nas noites, facilitou a vida e impulsionou o progresso. Água de poço “ganhou” motor que dispensou nossos braços cansados do sarilho. Sou a sexta-sétima filha de um total de nove. Vim a este mundo acompanhado por um irmãozinho que retornou aos céus três horas depois de nossa chegada. Aos 5 anos de idade frequentei uma escola por volta de 8 meses. A partir de então caberia aos meus irmãos mais velhos me ensinar. À distância e as dificuldades do caminho foram determinantes para tal situação. É importante esclarecer que naquela época não havia escola pública na zona rural e nem professores formados. Os pais e interessados contratavam a pessoa que soubesse ler escrever com certa desenvoltura, boa caligrafia, soubesse a tabuada, as quatro operações e estivesse disposto a ensinar e ganhar o ofertado. Foi dessa forma que meus irmãos, 6 homens e 3 mulheres e eu com exceção de uma, fomos alfabetizados. Com um detalhe: quando meus irmãos mais velhos estavam em idade escolar, meus pais não conseguiram encontrar uma pessoa para ensiná-los; a uma distância que permitisse o ir e vir à luz do dia, a pé ou cavalgando, sem estafar as crianças e os animais. Daí porque meu pai alojou minha mãe e todos os filhos em uma casa na cidade e lá permaneceram por volta de um ano.

Ele os visitava todo final de semana, chegava na sexta-feira ao sol se pondo ou no sábado pela manhã, e retornava na segunda-feira antes do sol nascer.

A pioneira Anna nasceu em Ituaçu-Estado da Bahia, é viúva e vive em Pacaembu há 44 anos. Teve 11 filhos (6 homens e 5 mulheres), 28 netos, 17 bisnetos e 5 trinetos. Ela nos conta como era a cidade Paraíso naquela época:

“Aos meus olhos a cidade tinha o suficiente para suprir as necessidades do município. Um comércio em desenvolvimento inclusive com algumas fábricas, máquinas de beneficiar café, arroz; escolas com ensino Infantil, Ginasial e Colegial, cursos de Magistério e de Comércio. Igrejas e a Santa Casa. Não sei se consegui dimensionar a Pacaembu de 77, não gostaria de “ferir” a cidade que me recebeu tão bem, além de ter sido a solução para um problema que eu vivia na época. O café era nosso produto principal. Cultivávamos também feijão, milho, mandioca e hortaliças para o próprio consumo. Mudamos para uma chácara em Pacaembu, ou melhor, fui conduzida a ela”.

Referente à saudade, ela lembra com carinho um episódio inesquecível:

“Da época que tinha meu marido e a casa com todos os filhos. Era um movimento constante. Uma casa alegre com jovens, adolescentes e crianças. Um entra e sai saudável. Contávamos ainda com a presença frequente de colegas e amigos, delas e deles. Não é por acaso que em uma das fazendas que moramos, nossa casa era conhecida como “Grande Hotel”. As portas sempre abertas e um prato a mais na mesa. Não havia luxo e nem muita variedade, mas esmero na simplicidade para que tudo, muito ou pouco, fosse partilhado; com a prosa correndo solta em volta da mesa”.

Há na vida de todos nós, histórias que são consideradas verdadeiras relíquias. A simples “arte” de parar tudo e lembrar as histórias de nossa infância é algo que até os dias atuais nos causam um enorme prazer e outras que são verdadeiras lições que jamais gostaríamos de revivê-las novamente. A pioneira lembra um fato que marcou sua infância:

“Quando nos escondemos de Lampião. No meio do mato, embaixo de um rancho improvisado, sem nenhum conforto e sem nenhuma aparência de casa e, ainda torcendo para não sermos encontrados pelo bando. Minha mãe sempre rezando, pelo retorno dos dois filhos que alternadamente iam em duplas, e faziam entre si, assistência aos animais. Os nossos auxiliares também, e com toda razão, estavam escondidos. Oito dias nessa vida foi uma eternidade! E saber que agora Lampião está sendo romantizado com sua Maria Bonita.É mesmo contar os fatos de forma enviesada. Que poesia há em um cangaceiro que comanda um bando de arruaceiros? Mata o teu boi, tosqueia tua ovelha, mistura os teus mantimentos, decepa tuas plantações,exige que tua mulher faça comida para esse bando de cangaceiros, e tudo isso na tua presença , de tua família e dentro de tua casa. Na mais explicitaameaça , vandalismos e algazarra.Agora ganhar ficha limpa,é um despeito sem fim à memória das famílias, das fazendas, dos animais, dos lugarejos, das cidades, vandalizadas sem piedade”.

Passado longos anos, hoje ela evidencia o que mais gosta de fazer no momento:

“Tomar sol pela manhã na área de ventilação e vê-lo se pôr à tardinha na frente de casa acompanhada de minha filha. Ir à missa aos domingos”.

A Pioneira mudou da chácara onde residia em março de 2018, e desejava morar com duas filhas, em São Paulo. Mas, para sua surpresa, uma das filhas anunciou que viria morar com ela em Pacaembu. E assim o fizeram e aqui estão até hoje.

“Sou grata a Deus por tantos anos, mas dado a minha dependência que cresce a cada dia, às vezes me sinto cansada e peço a Deus para me levar. Pelo visto o Senhor Deusestá sem pressa”.

Finalizando,a senhora Anna deixa sua mensagem de carinho aos Pacaembuenses:

“Sou grata a todos. Pessoas receptivas, trabalhadeiras, atenciosas que me tratam com respeito e carinho. Hoje, 44 anos depois, ainda sou atendida pelo mesmo médico e pela mesma cabelereira. Haja vista a fonoaudióloga que me possibilitou e me possibilita ouvir um pouco melhor e a ministra da Eucaristia que me fortaleceu lá e cá com a Santa Eucaristia e a palavra de Deus. Como não implorar aos céus bênçãos para uma população assim”?


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