O juiz da 5ª Vara Federal de Presidente Prudente, Ricardo Uberto Rodrigues, concedeu nesta semana uma liminar, em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF), que suspende o processo de exploração de gás no Oeste Paulista.
Na decisão, a Justiça Federal suspende os efeitos decorrentes da 12ª Rodada de Licitações promovida pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em relação à disponibilização dos blocos da bacia do Paraná ?“ PAR-T-198, PAR-T-199, PAR-T-218, PAR-T-219 e PAR-T-220 (Setor SPAR-CN) ?“, situados na região oeste do Estado de São Paulo, para a exploração de gás de folhelho com uso da técnica de fraturamento hidráulico.
Também suspende os efeitos dos contratos de concessão firmados entre a ANP e as empresas Petrobras, Petra e Bayar, relacionados com a exploração de xisto por meio de fraturamento hidráulico nos blocos do Setor SPAR-CN.
Ainda na liminar, proferida na segunda-feira (19), o juiz federal Ricardo Uberto Rodrigues determina à ANP a obrigação de não fazer consistente em não promover outras licitações de blocos exploratórios desta Subseção Judiciária, nem dar seguimento ao procedimento realizado na 12ª Rodada, que tenham por objeto a exploração de gás de xisto pelo fraturamento hidráulico, enquanto não houver a realização de estudos técnico-científicos que demonstrem a viabilidade do uso dessa técnica em solo brasileiro e, em especial, no Setor SPAC-CN.
Outra determinação do magistrado na liminar é para a ANP não realizar outras licitações de blocos exploratórios desta Subseção Judiciária, nem dar seguimento ao procedimento realizado na 12ª Rodada, que tenham por objeto a exploração do gás de xisto pelo fraturamento hidráulico, enquanto não houver a prévia regulamentação pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e não houver a realização de Estudos de Impacto Ambiental e a devida publicidade da Avaliação Ambiental de Áreas Sedimentares (AAAS) ?“ Portaria Interministerial nº 198/2012 ?“, cujos resultados deverão vincular eventual exploração dos correspondentes blocos, oportunizando-se, adequadamente, a participação popular e técnica, dos órgãos públicos, das entidades civis interessadas e das pessoas que serão impactadas diretamente pela exploração, para que, dessa forma, garanta-se o efetivo controle no uso da técnica, inclusive, quanto ao depósito e posterior descarte das substâncias utilizadas no processo de exploração.
Além disso, o magistrado determina às empresas Petrobras, Petra e Bayar que se abstenham de realizar qualquer atividade específica de perfuração, pesquisa e exploração de poços no Setor SPAR-CN, com fundamento nos contratos de concessão firmados, enquanto não elaborados os estudos mencionados e não realizado processo licitatório válido pela ANP.
A liminar fixa uma multa diária no valor de R$ 150 mil para a hipótese de descumprimento de cada obrigação (de fazer ou não fazer) estabelecida na decisão.
O juiz também determinou a intimação da União Federal, da Agência Nacional de Águas (ANA), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do ICMBio, do Estado de São Paulo, da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e dos municípios que compõem a base territorial da Subseção Judiciária Federal para, se quiserem, intervirem no caso, como litisconsortes.
Por fim, o magistrado mandou oficiar as Câmaras de Vereadores dos municípios que compõem a base territorial da Subseção Judiciária Federal informando a existência da presente demanda e instruindo-se com os arquivos digitais pertinentes, "a fim de proporcionar o necessário debate às populações diretamente interessadas".
"Risco sério de dano ambiental"
De acordo com o processo, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) determinou, em 2013, que a ANP realizasse a 12ª Rodada de Licitações, a qual culminou na arrematação de blocos de exploração do gás de xisto nas bacias do Acre, Parecis, São Francisco, Paraná e Parnaíba. Na bacia do Rio Paraná, foram arrematados 16 blocos ?“ 11 no Setor SPAR-CS, correspondente ao Estado do Paraná, e cinco blocos no Setor SPAR-CN, correspondente ao Estado de São Paulo, no qual encontram-se situados os municípios da região de Presidente Prudente.
Ainda conforme o processo, a exploração do gás de xisto, na Subseção Judiciária Federal de Presidente Prudente, foi concedida pela ANP à Petrobras, que arrematou 100% dos blocos PAR-T-198 e PAR-T-218, e às empresas Petra Energia S/A e Bayar Empreendimentos e Participações Ltda., que arremataram 50% cada um dos blocos PAR-T-199, PAR-T-219 e PAR-T-220.
O MPF alega que a arrematação dos blocos e a assinatura dos contratos de concessão trouxeram, por si só, "risco sério de dano ambiental", conforme consta na liminar. Além disso, acresce que o gás de xisto (gás de folhelho), também denominado gás não convencional, encontra-se aprisionado em formações de baixa permeabilidade, em grande profundidade, sendo exigidas, para sua exploração, técnicas de elevada complexidade e custo, constituindo-se temerária a licitação realizada pela ANP.
Isso porque, segundo o MPF, "a técnica escolhida para a exploração ?“ fraturamento hidráulico ?“ oferece potencial risco ao meio ambiente, à saúde humana e à atividade econômica regional, além de ostentar vícios no procedimento licitatório".
Também segundo o processo, o MPF discorre que a extração do gás de xisto se dá por processo chamado de fraturamento hidráulico ?“ "fracking" ?“, que consiste em fraturar as finas camadas de folhelho com jatos de água sob pressão, a qual recebe adição de areia e produtos químicos que mantêm abertas as fraturas provocadas pelo impacto. O MPF explica que a fratura hidráulica é um processo de bombeamento de fluido, por meio de um poço aberto verticalmente, com posterior extensão horizontal, atingindo milhares de metros de profundidade, em face do que a pressão gerada provoca fissuras nas rochas sedimentares e permite a extração do gás natural, que chega à superfície misturado com água, lama e aditivos químicos utilizados no processo.
"Risco de explosão"
O MPF destaca que os impactos ambientais causados pela adoção dessa técnica são "incomensuráveis". Além disso, frisa que, em curto prazo de utilização da técnica, "pode-se verificar a contaminação por gás, a contaminação da água e solo por deposição inadequada de efluentes e resíduos, vazamentos, acidentes com transporte e manipulação de materiais perigosos", conforme consta na liminar. Em médio e longo prazos, "haverá a contaminação da água subterrânea e a contaminação de poços próximos por gás metano, que é asfixiante e inflamável, com risco de explosão".
De acordo com a liminar, o MPF assevera que diversos trabalhos científicos indicam que o fraturamento hidráulico causa uma série de impactos socioambientais, como a mudança nas paisagens e a contaminação do solo, da água e do ar.
O MPF sublinha a existência de parecer técnico pelo Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção de “leo e Gás (GTPEG) no sentido da insuficiência de elementos para uma tomada de decisão quanto à exploração segura do gás de xisto.
Também enfatiza que a exploração do gás, mediante a aplicação da técnica do fraturamento hidráulico, acarreta: a) perfuração de número elevado de poços sem a existência de conhecimento quanto às características geológicas das bacias ofertadas; b) intensificação de abertura de vias de acesso e instalação de canteiros, pois os poços "depletam" rapidamente; c) intenso uso de água, inclusive a potável; d) contaminação dos aquíferos, notadamente o Guarani e Serra Geral; e) utilização de fluidos e produtos químicos que não contam com normatização no Brasil e alguns se inserem em formulação fechada, ou seja, segredo industrial, o que dificulta a análise sobre seu impacto no meio ambiente, sendo que parte significativa do fluido injetado no poço não retorna à superfície, permanecendo em contato com o solo e a água subterrâneos; f) dificuldade quanto à disposição final da água de retorno, a qual se apresenta contaminada por metais pesados e elementos com índice de radioatividade natural, que requerem especial manejo e disposição; e g) potencialização da sismicidade induzida, uma vez que a agressividade da fraturação hidráulica pode gerar abalos sísmicos, o que se agrava diante do desconhecimento acerca da geologia da região explorada.
Ainda conforme o processo, o MPF agrega a necessidade de realização de Avaliação Ambiental Estratégica, com a devida publicidade para esclarecer sobre riscos e impactos ambientais gerados pela exploração do gás de xisto, bem como da realização de Avaliação Ambiental de Áreas Sedimentares (AAAS). Também ressalta que não houve a participação dos órgãos ambientais regionais e locais.
O MPF ainda sustenta a ocorrência de nulidade no procedimento licitatório e elenca os seguintes vícios: a) inobservância de exclusão de áreas ambientalmente protegidas pelo órgão ambiental estadual e pelo GTPEG; b) ausência de manifestação da ANA sobre os recursos hídricos afetados; e c) inexistência de pareceres técnicos do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) e do Ibama sobre a viabilidade da exploração. Acresce que, em audiência pública realizada pela ANP, não houve a participação de órgãos estaduais e federais ambientais e indígenas diretamente afetados. Também diz que, posteriormente, em nova audiência pública, diversos entes se manifestaram contrariamente à exploração.
Crise hídrica
Também conforme consta na liminar, o MPF destaca estudos técnicos realizados pela Abisbama e pela Pecma que evidenciam a precariedade de informações que a ANP detinha para proceder à concessão, bem como a manifestação de diversas associações em sentido contrário à exploração. Afirma a inexistência de regulação própria para a exploração do gás de xisto e a insuficiência de informações e dados a respeito. Pontua a afetação de Unidades de Conservação e Áreas de Proteção Especial. Bate pela possibilidade de ocorrência de prejuízo à atividade agrícola e à pecuária. Rememora a crise hídrica do Estado de São Paulo e enfatiza a possibilidade de contaminação dos recursos hídricos e do Aquífero Guarani. Também insiste o MPF na necessidade de elaboração do AAAS e do estudo de impacto ambiental.
ANP
Conforme consta na liminar, a ANP alegou que a 12ª Rodada de Licitações não se limita à exploração do gás de xisto, mas principalmente do gás natural convencional, razão pela qual a demanda não pode surtir efeitos quanto à exploração do gás convencional. Também conforme consta na liminar, a ANP entende que "a inicial exprime desconhecimento de conceitos básicos, confundindo a expressão "exploração"".
Outro argumento apresentado pela ANP à Justiça Federal é o de que, "ante a inexistência de conhecimento geológico específico das áreas conhecidas como "Novas Fronteiras", a licitação teve como objeto a produção de conhecimento geológico sobre as áreas, utilizando-se do termo "exploração" para tanto".
Em decorrência dos "pesados investimentos" necessários, segundo a ANP, a exploração foi conferida à iniciativa privada. A agência também sustenta que há incerteza sobre se a exploração resultará na descoberta de hidrocarbonetos. Também segundo consta na liminar, a ANP alega que a fase de exploração (pesquisa) somente poderá ser iniciada após a obtenção de licenças ambientais pertinentes.
"O cenário econômico atual torna quase certo que o Concessionário não optará por prosseguir investigando os recursos não convencionais porventura localizados, dada a própria inviabilidade econômica da produção do shale gas pela indústria brasileira", segundo a ANP manifestou à Justiça Federal.
Ainda em sua sustentação, a ANP ressalta que inexiste risco iminente sobre a utilização do fracking, uma vez que a fase de "exploração" é concentrada na realização de pesquisa e não na produção de gás natural. Também argumenta que a fase de "exploração" é de seis anos e nesse período inexiste risco da utilização da técnica do fracking. Outro ponto abordado pela ANP é o de que inexiste obrigação legal de se realizar aprofundados estudos técnicos ambientais antes de deflagrada a licitação. A agência informa que os estudos ambientais serão realizados na fase de exploração e os custos ficarão a cargo dos particulares e pondera que a realização dos estudos prévios pelo Estado traria pesado ônus ao erário.
Segundo a ANP, não compete ao Ibama realizar os estudos prévios de impacto ambiental e a AAAS não se presta à finalidade pretendida pelo MPF, pois o levantamento de informações sobre o subsolo de cada bloco licitado não é a finalidade da AAAS. A agência salienta que inexiste exigência legal quanto à realização da AAAS previamente à licitação. Além disso, sustenta que no caso do Setor SPAR-CN inexiste qualquer sobreposição dos blocos licitados com áreas legalmente previstas.
A agência alega, conforme consta na liminar da Justiça Federal, que houve a identificação da situação ambiental das áreas licitadas e que inexiste "periculum in mora", porquanto a técnica de fraturamento hidráulico somente poderá ser utilizada na fase de "exploração estendida", ou seja, daqui a seis anos.
De acordo com a ANP, o objetivo da 12ª Rodada de Licitações é o de produzir conhecimento a respeito dos recursos convencionais e não convencionais porventura existentes nos blocos licitados, o que não significa que as "descobertas" de recursos não convencionais porventura realizados serão aptas a ensejar o início da fase de produção do shale gas. A agência ainda ressalta que não poderá ocorrer o fracking sem licenciamento específico para esta atividade e que inexiste risco de contaminação de águas subterrâneas. Além disso, enfatiza que a conjuntura econômica atual não é favorável à exploração e que a utilização do fracking não tem relação com o fenômeno das "águas incendiárias".
"Gerações futuras"
Na liminar, o juiz federal Ricardo Uberto Rodrigues aponta que "a importância econômica da extração do gás de folhelho é revelada pela estimativa de que o Brasil possui a 10ª maior reserva tecnicamente recuperável de shale gas do mundo, de acordo com relatório publicado pela U. S. Energy Information Administration em 2013".
"Destarte, é inegável a importância da mencionada fonte energética para o abastecimento da indústria, para o desenvolvimento econômico do país e, em especial, da região oeste do Estado de São Paulo, que será diretamente afetada pela sua extração. Todavia, como se sabe, não basta que se obtenha o pleno desenvolvimento econômico, mas é necessário que este ocorra de forma sustentável, de modo a não degradar o meio ambiente ou se evitar ao máximo sua degradação, preservando-se os recursos naturais para as gerações futuras", argumenta o magistrado, em sua decisão.
Conforme o juiz, a preocupação do Ministério Público Federal quanto à possibilidade de efetiva contaminação das fontes de água para consumo humano "merece atenção e guarida nesta fase processual".
"Não bastasse a preocupação com a preservação dos mananciais de água, a qual se avoluma na atual quadra diante da chamada crise hídrica atravessada pelo Estado de São Paulo, tem-se, por igual, o risco de contaminação de Unidades de Conservação (Parque Estadual do Morro do Diabo, Parque Estadual do Rio do Peixe, Parque Estadual do Rio Aguapeí, Estação Ecológica Federal Mico-Leão-Preto e APA de Ilhas e Várzeas do Rio Paraná) que se encontram próximas aos blocos ofertados para exploração do gás de xisto", salienta o juiz federal.
Na avaliação do magistrado, "o que se verifica é que se está licitando a "sorte" do empreendimento".
"Vale dizer, não se sabe sequer se o gás existe, em que quantidade e quais os efeitos poderá gerar ao meio ambiente. Pior: não se sabe qual a parcela do patrimônio natural brasileiro será concedida a um particular para exploração! ? certo que qualquer certame público deve primar, sobretudo, pela transparência. Ao povo e notadamente às populações diretamente interessadas, bem como ao investidor, devem ser fornecidos os elementos necessários para a execução do objeto das concessões. Não só os elementos econômicos, mas os referentes a potenciais impactos ambientais", observa Ricardo Uberto Rodrigues.
"Inversão ilógica"
Segundo o entendimento do magistrado, "há, portanto, uma inversão ilógica de procedimentos, sob o argumento de simples economia do erário quanto aos procedimentos e análises prévias ambientais para a extração do gás". Conforme Rodrigues, "o que se constata é o indevido açodamento em matéria de delicada repercussão ambiental".
"Com efeito, ao que parece, a ANP deflagrou o procedimento licitatório de concessão sem antes conhecer, com a profundidade necessária, a atividade licitada e os impactos que poderia ocasionar ao meio ambiente", aponta o magistrado.
O juiz cita na liminar que, no âmbito internacional, diversos países suspenderam a extração do gás de xisto nos moldes em que viabilizada pela ANP (Itália, Áustria, Dinamarca e Alemanha).
"Desse modo, devem ser prestigiados, na espécie dos autos, os Princípios da Precaução e da Prevenção, uma vez que, além de se revelar um risco conhecido ao meio ambiente, a hipótese denota a dúvida ou incerteza científica quanto a alguns dos efeitos acarretados ao meio ambiente pela atividade de extração do gás de xisto", pondera o juiz federal.
O magistrado considera, na liminar, que "a utilização da técnica de fraturamento hidráulico para a extração do gás de folhelho, por ser potencialmente lesiva ao meio ambiente e por demandar um aprofundamento científico acerca dos riscos efetivos que ocasiona, atrai a incidência do princípio da precaução".
"Note-se que mesmo que se diga que a fase de "exploração" denota mera fase de "pesquisa", sendo que a efetiva extração do gás somente se daria em etapa posterior, a simples afirmação de que inexiste informação segura sobre a geologia da área a ser explorada, a existência e a quantidade de gás que poderia ser extraída, é suficiente ao reconhecimento do periculum in mora, porquanto se oferta publicamente patrimônio natural brasileiro que não se sabe da efetiva existência e da quantidade", ressalta o magistrado.
Ricardo Uberto Rodrigues considera "plausível" o deferimento das medidas postuladas pelo Ministério Público Federal, "notadamente quanto à suspensão dos efeitos do certame licitatório e respectivos contratos de concessão, bem como as medidas referentes às abstenções de atuação com vistas à execução do projeto".